Das questões transfronteiriças
- dialogosdobarao
- 25. Mai 2016
- 4 Min. Lesezeit

O Grupo Diálogos do Barão produzirá uma coletânea de textos com o tema: “Consolidação da tradição diplomática brasileira e sua influência na Política Externa atual”. Para tanto, seguindo a linha já introduzida pelo diplomata Paulo Roberto de Almeida no último post do blog, serão produzidos textos críticos acerca da história da Diplomacia nacional, perpassando os principais mandatos presidenciais da história brasileira, desde antes de seu nascimento como Nação Independente até a consolidação da Democracia pós-constituição de 1988. Procuramos analisar as políticas surgidas em cada momento histórico e entender como perduraram, até os tempos atuais, como valores diplomáticos norteadores da Política Externa nacional.
Consolidação da tradição diplomática brasileira e sua influência na Política Externa atual.
Parte I - Das questões transfronteiriças
(de Gusmão ao Barão do Rio Branco)
Nada melhor do que um grupo formado por futuros diplomatas para começar estudando as diferentes atuações diplomáticas, seus êxitos e possíveis falhas, ao longo da história. Este primeiro post do Grupo Diálogos do Barão analisará, de forma crítica, a diplomacia brasileira a partir do final do período colonial, destacando as características da Política Externa que acabaram por se consolidar como princípios e valores determinantes para consolidar a estrutura diplomática brasileira nos moldes como conhecemos atualmente.
A primeira grande atuação diplomática brasileira está ligada ao nome de Alexandre de Gusmão e aos princípios norteadores do Tratado de Madrid. Por muitos anos, pouco crédito foi dado a esse santista, nascido na segunda metade do século XVII. Talvez porque o Tratado de Madrid, do qual fora o principal artífice, teve apenas onze anos de vigência, sendo em 1761 anulado pelo Tratado de El Pardo. Apesar disso, os princípios trazidos por Gusmão naquele tratado, quais sejam, o princípio das fronteiras naturais [1] e o do uti possidetis [2], foram fundamentais para definir nossa política externa. Alexandre de Gusmão, por meio do Tratado de Madrid, criou as bases físicas para o que viria a ser os limites territoriais um País que antes não possuía fronteiras bem definidas e certas, sendo apenas um “grande território amorfo” [3].
Outra expoente da diplomacia brasileira foi José Bonifácio de Andrada e Silva. Conhecido como “Patriarca da Independência” e “Primeiro Chanceler do Brasil”, defendeu a abolição da escravatura, a integração social das comunidades indígenas e africanas e a reforma do uso da terra. Isto porque entendia que o amadurecimento da jovem Nação seria possível somente se alcançada a integridade territorial, o que pressupunha o fim do trabalho escravo e a exclusão das parcelas carentes da sociedade. A sua proposta para a Política Externa brasileira, esmiuçada em sua obra “Manifesto às Nações Amigas”, de 1822, fundamenta-se basicamente no conceito de autonomia, isto é, defendia uma Política Externa pautada na integração entre os países americanos, porém independente e soberana. Dessa forma, percebe-se que Bonifácio defendia a soberania nacional em detrimento do colonialismo europeu.
Posteriormente, surge José Maria da Silva Paranhos como o Presidente do Conselho de Ministros mais duradouro do período imperial. Também conhecido como Visconde do Rio Branco, Paranhos teve notável atuação na região do Rio da Prata, local de grande interesse estratégico para o Brasil. O Visconde foi de extrema importância na segurança das fronteiras brasileiras na região do Prata, além de manter a livre navegação e circulação de bens e pessoas na região platina.
A maior obra da diplomacia nacional, no entanto, foi construída pelo Barão do Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos Júnior, ao traçar, definitivamente, de forma clara e pacífica, as fronteiras brasileiras. Sua atuação diplomática, de maneira geral, seguiu alguns princípios já consagrados, como o princípio do uti possidetis de Gusmão. Além disso, embora respeitando possíveis direitos de terceiros, procurou adotar negociações bilaterais como forma de resolver questões fronteiriças. Para o Barão, questões relacionadas a fronteira nacional, por serem de cunho político, seriam melhor resolvidas através de um consenso entre os Estados do que da imposição de uma decisão por um tribunal qualquer. Por fim, outro aspecto marcante de sua atuação foi a tomada de tratados limítrofes anteriores apenas como ajustes provisórios que serviriam como pontos de partida para acordos definitivos.
Os acordos bilaterais firmados pelo Brasil com os países vizinhos através do instrumento diplomático e pautados no diálogo, desde o final do período colonial até o início da República, traduzem o anseio da Diplomacia Brasileira em solucionar as controvérsias através de meios pacíficos, rejeitando incisivamente qualquer ato unilateral que possa resultar em confrontos armados.
Assim, a consolidação das fronteiras nacionais através do esforço diplomático não apenas representou a unificação do território e de sua população em torno do ideal de Nação - realidade diametralmente oposta da que vive países cujas fronteiras foram formadas a partir de conflitos armados e que convivem rotineiramente com movimentos separatistas -, como também serviu para lançar a imagem do Brasil como o de um país de costumes pacíficos, que almeja a paz mundial e repudia a violência em todas as suas formas.
À época, definir os limites territoriais nacionais era fundamental, pois apenas com um território bem estabelecido seria possível desenvolver uma política externa de sucesso, e foi isso que o Barão fez. Em suas próprias palavras: "já construí o mapa do Brasil. Agora o meu programa é de contribuir para a união e a amizade entre os países sul-americanos".
[1] O princípio da fronteira natural determina que as fronteiras entre os Estados não devem ser abstratas, mas sim estabelecidas por acidentes geográficos, como rios, montanhas, dentre outros.
[2] O princípio do uti possidetis define como pertencente a um País aqueles territórios ocupados de forma efetiva, e não os que deveria ocupar, segundo tratados anteriores.
[3] GOES, Synesio Sampaio. A Paz das Fronteiras Coloniais: Alexandre de Gusmão, o grande Obreiro do Tratado de Madrid. In: Silva, Raul Mendes. Missões de Paz, a Diplomacia Brasileira nos Conflitos Internacionais, Edição Comemorativa dos Cem Anos de Paz nas Fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro: Multimídia, 2003. p. 33-64.
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