Consolidação da tradição diplomática brasileira e sua influência na Política Externa atual. Parte II
- dialogosdobarao
- 13. Juni 2016
- 6 Min. Lesezeit
Resolvida a questão das fronteiras, foco principal da diplomacia brasileira até então, a atenção passou a ser, a partir da primeira República, o desenvolvimento econômico nacional, de modo que o país começou a engajar-se na criação dos foros de negociação internacional.

Destaca-se, nesse período de transição diplomática, a atuação de Rui Barbosa de Oliveira. Estadista e duas vezes candidato à Presidência, Rui Barbosa advogou no cenário internacional pela igualdade soberana entre os Estados, além de defender as liberdades individuais e o modelo federativo estadunidense. Dentre as diversas participações de destaque de Rui Barbosa na Política Externa brasileira, tem-se a colaboração para a entrada do Brasil na Tríplice Entente durante a 1ª Guerra Mundial como uma das mais relevantes. Igualmente, obteve brilhante performance na II Conferência de Paz de Haia (1907), cuja Comissão de Arbitragem presidiu, ao defender o princípio da igualdade jurídica entre as Nações, opondo-se às potências europeias e aos Estados Unidos.
A ideia de tornar o Sistema das Nações um grande foro de discussão pautado na igualdade soberana e jurídica foi um dos motivos pelos quais o Brasil votou sozinho a favor da equiparação de voto para a eleição de árbitros na Comissão da Conferência de Haia que estabeleceu a Composição da Corte Internacional de Arbitragem, posto que a democratização na esfera internacional não interessava às potências europeias, que, segundo ele, queriam criar um Tribunal deste tipo somente para defender seus próprios interesses.
Outro grande legado de Rui Barbosa para a diplomacia brasileira foi a formação de uma sólida tradição de participação e, sobretudo de protagonismo, em foros multilaterais, como é o caso da Liga das Nações. Depreende-se daí o ideal de multilateralismo normativo, inovador e necessário diante da falida e trágica mentalidade imperialista do século XIX, o qual pressupõe a defesa do Direito Internacional em detrimento de atos unilaterais intransigentes dos Estados. Assim, por sua emblemática participação no cenário internacional, Rui Barbosa foi agraciado com o cunho de Águia de Haia e tem seu busto exposto no Palácio da Paz, em Haia, sede da Corte Internacional de Justiça e da Corte Permanente de Arbitragem.

O protagonismo brasileiro nos foros internacionais de negociação permaneceu no período que sucedeu à Velha República. A figura de Oswaldo Euclides de Souza Aranha tem grande relevância no período em questão, tanto no cenário político interno quanto no cenário internacional. É no governo Dutra que Aranha recebe a incumbência de representar o Brasil na recém criada Organização das Nações Unidas. Em 1947, Aranha presidiu a primeira Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU, que aprovou o plano de divisão da Palestina, no qual se estabelecia a criação de um Estado judeu, um palestino e um status especial para Jerusalém.
A partir do regime parlamentarista de João Goulart, a diplomacia brasileira se desprende da política bilateral-hemisférica consagrada por Rio Branco e adota o eixo global-hemisférico, segundo o qual uma abertura sistemática ampliativa dos eixos de ação tradicionais era medida que se impunha para satisfazer às novas necessidades econômicas do país. Seu principal idealizador foi o chanceler Francisco Clementino de San Tiago Dantas, que entendia ser o paradigma americanista introduzido por Rio Branco ultrapassado e, portanto, incompatível com o novo contexto político e econômico internacional que demandava um novo posicionamento por parte do Brasil.
Neste período, a situação doméstica brasileira era de uma profunda crise econômica, resultante da (a) alta inflação e dívida externa, (b) depreciação dos preços das commodities, (c) redução da absorção estadunidense das exportações brasileiras e (d) falta de investimentos externos. Além disso, ainda no contexto interno, por conta do processo de urbanização e industrialização intensificado no governo JK, houve uma mudança no perfil da sociedade, gerando uma pressão maior de segmentos populares da sociedade e classe média. Somado a isso, o contexto internacional era de maior peso na atuação de outros atores, como é o caso (a) da recuperação econômica da Europa e do Japão, (b) os processos de descolonização e o movimento dos países não-alinhados e (c) a consolidação do campo socialista no plano econômico e diplomático.

Assim, em meio a tal cenário, San Tiago Dantas lança as bases para o que viria a ser conhecido posteriormente como Política Externa Independente (PEI), composta por um conjunto de princípios diplomáticos responsável por ampliar e aprofundar a presença brasileira no mundo, dentre os quais figuram a coexistência pacífica (em meio ao cenário de Guerra Fria); a não intervenção e autodeterminação dos povos (contrário a intervenção na Revolução Cubana, e.g.); e principalmente a ampliação do mercado externo brasileiro sem alinhamento ideológico (i.e. até mesmo com países do bloco socialista, como a retomada de relações com a URSS).
Então, para atender ao nível de crescimento industrial e desenvolvimento econômico, o Brasil precisava se esforçar para ampliar seu comércio internacional, o que significava empenhar-se em expandir as alianças comerciais para além dos polos tradicionais de comércio, de forma a criar certa independência econômica do polo capitalista estadunidense. Nesse período, o Brasil intensificou suas relações diplomáticas com países latino-americanos e africanos, no que ficou conhecido como Eixo Sul-Sul e Sul-Leste, respectivamente, além da aproximação com a Europa Ocidental e Leste Europeu.

Assim, a principal herança da chancelaria de San Tiago Dantas para a tradição diplomática brasileira foi adotar uma política externa pragmática e não ideológica, o que possibilitou uma potencialização das relações internacionais brasileiras ao criar novos parceiros comerciais na medida do interesse nacional.
João Augusto de Araújo Castro, ministro interino das Relações Exteriores do governo Goulart, seguiu a linha da PEI desenvolvida por Dantas. Destacou-se pela sua política dos “Três D’s” - desarmamento, desenvolvimento e descolonização”, apresentada na XVIII Sessão da Assembleia Geral da ONU em 1963.
Em síntese, a concepção por detrás do discurso está na necessidade de equacionamento multilateral das questões de paz e segurança e desenvolvimento econômico e social, posto que são temas que se condicionam e, por isso, não podem ser tratados de forma isolada. Com isso, Araújo Castro introduz o posicionamento adotado pelo Itamaraty atualmente, segundo o qual se um Estado que passa por instabilidade política não receber sinalizações de reintegração econômica, raramente a paz sustentável será alcançada.

Por fim, o chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira executou uma estratégia de inserção internacional brasileira conhecida como Pragmatismo Responsável e Ecumênico, que pode ser vista como uma continuidade da PEI. Sua ideia era deslocar o eixo da política externa brasileira do polo Leste-Oeste para o Norte-Sul, sendo o primeiro polo representativo da lógica bipolar da Guerra Fria e o segundo, o contraste entre nações ricas e pobres em busca de desenvolvimento; ou seja, Azeredo da Silveira colocava como tema fundamental o debate sobre a desigualdade político-econômica dos Estados em detrimento do conflito bipolar capitalismo-comunismo. Assim, a diplomacia brasileira passou a traçar sua estratégia focando em seus vizinhos da América do Sul e nos demais países ditos “pobres”.
Desta forma, o Pragmatismo Responsável e Ecumênico ampliou os princípios presentes na PEI, como o da autodeterminação e do repúdio ao colonialismo (como no caso do apoio ao Movimento Popular de Libertação de Angola) além do direito ao desenvolvimento (como na aproximação com a China comunista, os países árabes e até com a Alemanha Ocidental, a contragosto dos Estados Unidos que tinha dificuldades em acomodar o crescimento brasileiro). Portanto, o diplomata Azeredo da Silveira estabeleceu uma política externa brasileira efetivamente mundial, segundo as diretrizes da expansão de mercado e do desenvolvimento nacional.
O fim da ordem global bipolar não impacta a Política Externa Brasileira a ponto de exigir do Itamaraty uma reestruturação política aos tempos que se seguiriam, posto que o Brasil se dizia “não alinhado”, o que significa dizer que sua relações internacionais eram conduzidas segundo a concepção pragmática e não ideológica. Entretanto, o país se juntou à tendência de integrar blocos regionais (realidade surgida na nova ordem mundial), como o Mercosul, o que desafiou a capacidade criativa do Itamaraty de instrumentalizá-lo para a satisfação dos interesses nacionais, tendo em vista a sua necessidade de, como bloco, comungar os interesses de todos os Estados membros.
Desde então, a Política Externa brasileira tem alternado seu foco de atuação entre a tradição diplomática bilateral e global conforme as necessidades nacionais. No período Collor, temos uma aproximação ao Eixo vertical (EUA), enquanto no período Itamar optou-se pelo retorno à tradição global-multilateral, investindo em parcerias Sul Sul e outras potências em desenvolvimento até um equilíbrio no governo Fernando Henrique Cardoso.
O fato é que o Brasil ampliou sua presença no globo, seja através da política bilateral-tradicional seja pela participação ativa nos foros de negociação regional e internacional, o que lhe rendeu uma posição de prestígio na comunidade internacional, fruto de um histórico diplomático consciente de suas atribuições, firme em suas convicções e empenhado na realização do interesse nacional.
Comments